Artigo

Vamos trocar a Sustentabilidade por miúdos?

Artigo de Opinião por Maria Empis, Head of Work Dynamics na JLL

Dezembro 15, 2022

Embora seja um tema mais atual do que nunca e com uma imensa panóplia de informação, a Sustentabilidade continua a ser difícil de entender para muitos e isso tem impacto na urgência de adotarmos uma ação comum e global. Por isso, é crucial traduzir a enorme importância da Sustentabilidade.

Começo por indicar duas datas: 28 de julho e 7 de maio. Não dirão grande coisa a muitos dos leitores, mas são datas incontornáveis na sustentabilidade.

Comecemos por 28 de julho: Consumimos hoje muito mais do que aquilo que podemos, de tal forma que, a 28 de julho esgotamos a capacidade de regeneração anual dos recursos naturais disponíveis na Terra, passando a viver a crédito do ambiente nos restantes meses do ano. Ou seja, atualmente, num ano consumimos recursos equivalentes a 1,75 planetas Terra.

Agora o 7 de maio: o 28 de julho é uma data de referência global, que acaba por mascarar os desequilíbrios dos ritmos de consumo de recursos nos países desenvolvidos vs os países subdesenvolvidos. Ou seja, quando olhamos para a Europa e, especificamente para Portugal, o quadro é mais negro. Concretamente, se o mundo consumisse ao ritmo médio atual dos portugueses, necessitaríamos não de 1,75 mas de 2,5 planetas Terra para suprir as nossas necessidades de consumo, fazendo com que o plafond anual se esgotasse dois meses mais cedo, logo a 7 de maio.

Além de não ser sustentável, este está longe de ser um fenómeno novo, acontecendo pelo menos desde 1970. E se estamos há pelo menos 50 anos a consumir mais do que o que devíamos, é inevitável que nos questionemos como é que isto ainda é possível?

Maria Empis, Head of Work Dynamics na JLL

Desde os primórdios, a evolução da humanidade não se fez sem a vontade de melhorar as nossas condições de vida, com o impacto num aumento crescente do consumo de recursos. Adicionalmente, somos cada vez mais pessoas a habitar o planeta, aumentando ainda mais os níveis de consumo, numa altura em que temos melhores condições de vida do que nunca: comemos mais, temos casas melhores, viajamos mais… Tendo em conta que não se espera que a população pare de crescer nos próximos anos, se continuarmos a consumir recursos como hoje e a fazer tudo da mesma forma, dentro de 25 anos, já em 2050, serão precisos pelo menos 3 planetas Terra, só para suprir as nossas necessidades! Esta é a crua e dura verdade e, uma vez que não existe outro planeta alternativo nem temos nenhuma máquina a renovar e a criar a sua biodiversidade, não nos resta alternativa senão mudar urgentemente os nossos hábitos.

Na base da mudança, tem de estar a redução das emissões de CO2, que não param de galopar desde a Revolução Industrial, face ao seu efeito no aquecimento global do planeta e às subsequentes alterações climáticas e desastres naturais. A multiplicação de ocorrências de desastres naturais ao longo destes últimos vinte anos mostra que a fatura a pagar já chegou e não é apenas económica, mas também social e humana. 

Depois de anos e anos sem nada fazer, em 2016 o Acordo de Paris surgiu como um murro na mesa, não só porque representa uma mudança de paradigma, reiterando que apenas com o contributo de todos será possível vencer o desafio das alterações climáticas, mas sobretudo porque passou a regular a ação dos Estados aderentes neste âmbito e, mais importante, veio obrigá-los a agir em prol da Sustentabilidade. A limitação do aquecimento global é uma das suas prioridades, pois esse é um dos fatores na base da nossa falta de recursos.

No limiar, temos de limitar o aquecimento global a +1,5ºC face aos níveis pré-industriais, o que, ainda assim, implica, em média, que tenhamos dois meses de seca no globo. Para termos uma ideia da urgência de agirmos, se o aquecimento for de +2ºC já serão quatro os meses de seca e se continuar a aumentar até atingir os +3ºC passarão a ser dez meses de seca no mundo, o que irá impedir a nossa sobrevivência!

Hoje já estamos no patamar de +1,1ºC e, se queremos respeitar este limite de +1,5ºC – que, ainda assim já é elevado – não há tempo a perder, pois requer rapidez, longo alcance e alterações estruturais transversais a todos os aspetos da sociedade. Para o conseguir, o Acordo de Paris definiu como metas a redução para metade das emissões de CO2 até 2030, com vista a atingir a neutralidade carbónica até 2050. Obriga também a que até 2050 as energias renováveis sejam responsáveis por cerca de 70% a 85% do fornecimento da eletricidade para consumo, motivando um enorme investimento nesse campo, estimando-se que só até 2035 sejam alocados 2,4 triliões de dólares ao desenvolvimento e implementação de novos sistemas de energia.

É precisamente aqui que entra o imobiliário. Estimando-se que os imóveis sejam responsáveis por cerca de 40% das emissões a nível global, o setor desempenha um papel crítico para que as metas definidas no Acordo de Paris possam ser atingidas. Além dos 235 biliões de m² construídos atualmente a nível global, estima-se que mais 230 biliões de m² sejam construídos ao longo dos próximos 40 anos, fazendo com que em 2060 tenhamos o dobro do ambiente construído atual. Há, então, aqui um enorme desafio, cuja solução tem de passar inevitavelmente pela introdução de inovação e tecnologia desde o momento da conceção e construção dos imóveis, até à sua fase de operação e utilização final. Ou seja, a descarbonização não só tem diversos passos como tem de estar presente em todas as fases de vida de um imóvel.

A boa notícia é que há cada vez mais stakeholders comprometidos com a neutralidade carbónica, desde investidores, a promotores e ocupantes que, em conjunto, partilham este espírito de missão no imobiliário, trabalhando arduamente para que dentro de alguns anos o atual 28 de julho seja o 31 de dezembro, e voltemos a ter um planeta equilibrado que consome apenas os recursos que consegue produzir.

*Artigo escrito para a Visão

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